Foi a mulher que traiu. E daí?
Para quem me acompanha no Instagram, posso até parecer chata porque por lá tenho falado o tempo todo sobre o que é ser mulher em uma sociedade patriarcalista e dona de padrões sócio culturais pré-estabelecidos, mas as coisas convergem sempre para esta mesma direção e acaba sendo impossível não falar nada a respeito. O caso que suscitou a vontade de tocar no assunto foi o de Fabíola, que saiu nas redes sociais devido ao fato dela ter traído o marido com o melhor amigo do marido. Para oferecer subsídios à desvalorização da protagonista, o seu amante é tachado de gordo e seu marido é compreendido como um homem rico. Diante disso, como será que Fabíola vai ser vista e julgada pelos sujeitos que compõem a sociedade? Impossível ter outro julgo que não seja o de puta.
A traição dos homens é algo legitimado em nosso meio social e retifica as expressões que circulam por aí, tais como “nenhum homem presta” e “todo homem trai”. Logo, uma mulher que se relaciona com um homem que a trai pode ou não permanecer com ele e algumas reproduzem o discurso de besta ser ela de o largar porque a traição é vista como comum ao homem e alguns acham que a culpa pode ser dela se não souber satisfazê-lo o suficiente. Já ouvi isso demais, inclusive de pessoas próximas e familiares. Nesse sentido, a culpa é da mulher ou a culpa não é de ninguém já que o sexo masculino pode apenas estar seguindo os instintos (como dizem por ai). Assim, o homem é chamado de cafajeste, descarado, safado – mas, ao mesmo tempo, isso não é visto de forma negativa e, inclusive, ostentam o fato de sê-lo.
Entretanto, quando uma mulher trai, o homem sai vitimizado porque é chamado de corno e sua imagem é relacionada aos dois chifres. Já a mulher também é chamada de safada, descarada e puta. Porém, uma mulher com essa alcunha não acrescenta nenhum ponto positivo à ela, pelo contrário, esta fica a margem da sociedade por tornar-se indigna. À mulher, diferente do homem, não é legítimo trair. O maior exemplo disso foi o caso de Fabíola. Parou nas redes sociais com este teor justamente por ela ser mulher. Se a traição viesse do homem, provavelmente as pessoas não dariam tanta importância por considerarem normal o homem trair.
Outras duas coisas que me chamaram a atenção foi não terem dado muita atenção os outros dois que fizeram parte da história, um deles ficou conhecido como o “gordinho comedor” e o outro como o cara rico. Identificar alguém como gordo é uma forma preconceituosa de se referir ao outro e ser rico tem sido encarado como um motivo para que Fabíola estivesse com ele. Neste contexto, há toda uma rede de pré julgamentos. No final de tudo, a gente não faz ideia do que rolava na intimidade do casal e como começou a história de Fabíola com o amigo do marido.
A intimidade dos outros, então, tornou-se polêmica e nós não tínhamos nada a ver com isso. Na verdade, continuamos não tendo. Quando me peguntam o que acho do ocorrido, respondo: Desnecessário. Até porque a gente vive sob uma monogamia, mas muitos homens e mulheres traem todos os dias. Ter essa história como algo tão atraente para as pessoas é uma prova de que a mulher precisa lutar muito para vencer as barreiras do binarismo – homem isso e mulher aquilo – e, consequentemente, vencer as do preconceito que nos limita todos o dias.
Lu Rosário
Jornalista. Baiana. Leonina. Feminista preta. Apaixonada por tudo o que diz respeito a sexo e sexualidade. Palavras e fotografias são suas taras.