A erótica no inferno
O som que se detecta no ar é o do nada, a minha respiração torna-se gradativamente pesada quando a solidão e a calmaria de estar só me faz lembrar de você, do seu corpo e dos momentos que tocamos e tivemos um ao outro. A solidão fez, anteriormente, um pacto com a minha parte dominante e diabólica e, neste pacto, ficou firmado que somente você e sua imagem seriam capazes de levar-me ao obscuro caminho do prazer. As dimensões do seu corpo ocupam a minha mente vazia e demoníaca todo o tempo, mas é quando encontro-me amparada pelo ar revolto e solitário que me pego dominada pela pessoa que sequer faz-se presente. Enlouqueço quando cogito a possibilidade de poder fazer viva e mais intensa a voz rouca que canta no pé do ouvido na minha mente, a tua voz sopra para mim quanto sou bela e quanto isso o enlouquece; lembro-me, nesse instante, dos olhares que não tive a decência de captar, as intenções das palavras ambiguamente colocadas em conversas rápidas, enlouqueço quando penso que perdi a oportunidade de mostrar-lhe do que sou capaz, de exibir os truques escondidos por trás de um batom vermelho e de um cabelo armado. Ah, querido, se, ao menos, tivesse a chance inédita de assistir as cenas que projeto de nós dois, já estaria aqui, implorando pelo calor que emana do corpo que é teu.
Recorro ao bom e conhecido vinho, bebo cinco goles iniciais que queimam no fundo da garganta e fazem crescente a chama que acende no peito: espalha-se do coração para o seu lugar favorito, para a maior e mais bela das poesias, para a arte mais confusa, saborosa e indefinível que já existiu. O sumo da fruta alcoolizado me faz lembrar de nós, da carne provinda da natureza pecadora que esbanja-se na criação do seu próprio sumo: a mistura de dois, aliada a experiência dos corpos, fazem-no o grande prazer carnal. Lembro de nós dois, embriagados e apaixonados, numa época em que a paixão fora demasiadamente avassaladora para que se pudesse negar os sentimentos que misturavam-se ao pulsar dos corações. Lembro do nosso fogo, do meu corpo queimando apoiado nos seus braços e do sopro incentivador dos seus beijos distribuídos no meu colo nu. Lembro de nós dois e é a sua imagem que me faz queimar em qualquer lugar, a qualquer instante, assim…. sozinha.
Não posso culpar a bebida por desejar-te tão deliberadamente, pois, ainda não sequei a segunda taça e já estou cogitando quais possibilidades me são disponíveis diante de tamanha solidão e vazio: preciso preencher o espaço vão e só posso fazer isso se você estiver junto a mim, mesmo que na minha mente. Carrego o vinho com a mão que segura a taça quase vazia e deixo a outra mão livre, que esbarra no som desligado e dá-lhe vida, permitindo que ao nosso lado caminhe juntamente a sensualidade da melodia estrangeira e negra. Me ensine, é o que a música diz querer… mas eu já não preciso de um professor, querido, agora tudo que eu quero é um homem que possa fazer comigo o que antes me fora ditado. Agora, é a minha vez de tomar o controle sob a situação e colocá-lo no seu devido lugar: embaixo de mim, quieto e submisso, atendente aos meus pedidos e obediente às minhas ordens. Vou, com passos lentos e dominados pelas memórias ferventes de um homem enlouquecedor, seguindo em direção ao quarto recém arrumado.
Na solidão de uma mulher livre, apoio o álcool bordô na escrivaninha de madeira e disponho-me a rebolar meus quadris como se os olhos castanhos estivessem me assistindo, danço como se a presença mental dele em mim equivalesse ao físico e à carne da sua pessoa naquele cômodo empestado pelo nefasto da minha alma erótica. Rebolo o meu corpo, faço círculos com os quadris e, vez por outra, bebo um gole do vinho que não deve ser esquecido. As minhas mãos percorrem toda a extensão do meu tronco e com o apoio da perversidade psicológica, para e pressiona em locais que anteriormente foram tocados pelas mãos masculinas, brutas e ásperas: a cintura é apertada firmemente, assim como ele o fez; a parte inicial das costas são arranhadas pelas unhas coloridas com o tom aparente da sua projeção na mente, a nudez que vejo, a perfeição do seu corpo que eu já conheço me fazem caminhar por direções que não foram necessariamente tocadas, mas que me fazem querer ser. A sensualidade que as minhas próprias mãos transferem ao longo do tronco se fixa na singularidade dos meus seios inexplorados: aperto, pressiono, toco levemente e dinamizo esses passos até sentir que a fera residente dentro de mim está acordando, até que sinto o mar calmo virar tempestade e molhar porções de um terreno que necessita ser regado.
Escuto você me chamar, relembro a mudez quase total da sua voz quando me convidou a prova-lo, consigo sentir a firmeza dos seus olhos quando pediu que eu me entregasse e que desse-o aquilo que tinha de melhor. Os arrepios ainda possuem a mesma intensidade e eu ainda sou capaz de molhar-me com a lembrança de como você me olhou quando viu a renda preta que escondia o paraíso. Revivo arduamente a sensação de estar dominada por você, de abandonar a faceta de menina numa experiência inédita e marcante e pular para patente de mulher sensual quando você arrancou a minha calcinha que nada escondia. A temperatura do quarto, a intensidade do meu pulsar e as gotas de suor ainda me ferem a pele quando lembro da exuberância do seu corpo desnudo, o artístico das curvas do seu tronco, a naturalidade ao inspirar e expirar faziam de ti a mais bela das obras de arte. Arte erótica, demoníaca, infernal, tentadora e que privilegiadamente me escolheu como moldura, contudo, agora, aqui nesse quarto que futuramente irá presenciar a maior e mais nova obra inspirada em você, não desejo moldar-lhe o corpo, quero ser parte, conjunto e assinar-lhe o final como autora e detentora de tamanho calor e pecado.
A sua voz me chama de novo e posso ver seu corpo deitado na minha cama branca, convidando-me ao prazer da companhia. Caminho e me deito ao lado da sua projeção, fecho os meus olhos e permito-me ter a sensação ilusória de que você está ali. Permito ao meu respirar, a mudança causada pela sua presença e seu toque, permito a minha boca abrir e fechar sedenta e piedosa, quase implorando pelo contato áspero e doce da sua língua. A utopia da nossa união faz com que a blusa seja arrancada do meu corpo pelas minhas próprias mãos: sou o pecado induzido pela voz do seu criador que manifesta com sua própria pele o ato profano. As paredes brancas foram mantidas com o propósito de realçar a cor amarelada da minha pele que foge dos raios do dia e esconde-se na sombra permanente do obstáculo sensual, a noite que em poucas horas chegará testemunhará as sobras da mulher que desfez-se de sua carne e liquidou-se no prazer oferecido pela simples lembrança de uma boca, voz, corpo e sexo. Estou nua, deitada na cama que já fora palco dele e que agora me tem sozinha no centro das atenções: o ar não possui movimento, as vozes externas advindas da rua cessam e, naquele momento, me sinto privilegiada em poder ter-me integralmente. A mutualidade das nossas visões se explicam como o reflexo de um objeto por um espelho, eu o vejo porque o quero com veemência e ele me enxerga por saber desse meu querer e por tê-lo incorporado à sua essência. Onde quer que esteja e com quem esteja, ele saberá que quaisquer atos e palavras de caráter erótico e fogoso serão escritos embebidos pelo alcoólico da sua personalidade. Ele é álcool, combustível das minhas chamas. E nós queimamos lindamente quando rompemos a incômoda distância.
As minhas mãos que estagnaram anteriormente para assistir a retrospectiva nossa história combustiva, começa agora a tocar a borda da minha calcinha rendada que escondia-se embaixo da blusa larga também negra. As formas que a embelezam possuem furinhos que permitem às pontas dos dedos sentirem a pele delicada e macia da região dos meus quadris, tateio a área explorando todos os pontos que me provocam arrepios: poucas lembranças restaram dos escassos encontros e agora só cabe a mim honrar o calor do seu corpo banhando-me e transformando a minha matéria sólida em líquido masculino. Toco uma vez levemente, recuo e aproveito para sentir as consequências do toque ousado; toco novamente e minhas pernas se abrem involuntariamente, como num aviso prévio de desejo ao falo que projeta e cria o prazer carnal; o momento pós-recuo faz com que o meu terceiro toque omisso provoque arrepios duradouros em toda a extensão do meu corpo; o quarto e, de acordo com a situação dos meus hormônios, último toque tímido é um convite anatômico e sensorial do meu sexo a uma maior e mais saborosa exploração: estou quente, estou molhada e sexy como o inferno. Isso, toque-se para mim. Ouço no fundo, bem no íntimo, da minha mente. Sinto como se ele estivesse atento aos meus passos e como se isso fosse um teste para validar-me como capaz de satisfazê-lo. E eu sei daquilo que sou capaz.
O início sempre pede urgência, pressão e aceleração nos movimentos… mas, gosto de ir calmamente explorando todos os pontos e sentindo a sanidade consumida a cada segundo que corre no relógio. Dois dedos são suficientemente capazes de me dar o prazer que procuro, um prazer raso que satisfaz momentaneamente a ausência dele aqui, giro-os em mim e sinto cada vez mais a temperatura aumentar, a região molhar e as pernas fraquejarem. Estou só e posso romper os limites, posso escandalizar em som quase inaudível o nome daquele que me faz enlouquecer, posso me sentir internamente e gemer contra o travesseiro macio que já apoiou, em outra noite, meus quadris rasgados. Chamo baixinho o seu nome na esperança de que meu chamado seja intenso o suficiente para te fazer vir, esperançosa de que o egoísmo não me domine e eu não desfrute deste prazer sozinha. O som da minha voz rouca e quase doente de tanto prazer me excita ainda mais, teu nome pronunciado tem um teor altamente erótico e me faz delirar insanamente presa dentro do corpo que deseja ser possuído.
Recordo com nitidez e precisão as suas dimensões, o seu tamanho e o seu porte. Juro-te, arrematando a minha alma que pouco vale, que tremi abandonada quando lembrei da sua cor e da sua maestria em exibir-se para mim, meu peito acelerou e a mão liberta do pecado apertou o seio rosado empinado e ativo. A dificuldade para respirar manifesta-se em mim quando sua boca envolve meu seio, quando sua mão enfia-se entre minhas pernas e arremata o meu rabo naturalmente pálido, a força da agressão torna-se um catalizador da nossa reação. Lembro-me de pedir mais, de empinar-me contra seu corpo, abrir-me em sua frente e implorar para que sua mão se chocasse às minhas carnes inexperientes e provocativas. Bata-me, eu gosto, lembro de avisar-lhe. O aroma do seu cabelo negro embriaga com mesma intensidade os sentidos, pois, sei que o sinto quando caminha para o sul do meu corpo e faz quente a região que te chama e te grita. Me provo simultaneamente ao relembrar o sabor do seu beijo, a vulgaridade da sua língua e a exuberância que me cutucava o ventre. Saboreio a acidez feminina quando ouço aquele eu te amo dito e a minha resposta de negação: não me ame, não quero ser amada, querido… eu só quero ser bem fodida.
A ousadia que corre nas minhas veias e ocupa a vermelhidão chamativa do sangue fez nascer no peito masculino a revolta, a raiva em ter sido negado como homem amante e usado como fonte de prazer. A revolta que eu planejei fora bem sucedida e amando-o, fiz com que ele tivesse a necessidade odiosa em me fazer gozar.
Gemo alto agora, como se quisesse que os espectadores inexistentes saibam como jorro em contato com apenas a tua imagem, ainda chamo pelo seu nome com um certo desespero e o subir e descer do meu peito é aflito por não ser explorada pelo seu sexo. Sou pecadora demais para clamar a uma divindade agora e fico sem opções. Chamo por nós e caio em direção ao nosso ponto de encontro, caio numa descida íngreme e fogosa para o lugar que gostamos de frequentar nos encontros esporádicos, mas intensos. A queda para o inferno é rotineira, contudo, hoje caio num ar que faz arder a pele sensível do meu sexo, faz firme e excitado os meus mamilos que anseiam a chegada no maremoto de fogo. Chego ao inferno com meus dedos feitos marionete pela sua imagem e pelos seus comandos, a sua voz ditatorial me diz cada passo, cada toque e o momento exato para chamar-te. O fogo da situação não me faz seca, pelo contrário, estou transbordando no meu líquido e modificando a paisagem: te espero chegar para me fazer companhia e, enquanto você não chega, vou-me esquentando, crescendo e ficando cada vez mais fervente, tirando do inferno a sua temperatura e seu título honrado de pecado: mostro que sou maior, mais quente e tenho muito mais poder quando você me incita ao perigo do toque profano e escondido. Transcendo as dimensões e o volume do inferno porque sou mulher… e porque me esbanjo nas carnes e na aptidão do homem dotado de sapiência e experiência.
A sua presença parece tardar, a demora em te sentir chegar só pode ter o propósito de me fazer melhor, mais quente e dependente da suas mãos. Ó, meu bem, caminhe rápido em direção ao corpo feminino que queima rasgado e fácil no colchão já desfeito e contaminado pelas chamas da mulher e cesse a dor do desejo com o ato que intimamente conhecemos. Venha me ferir, me agredir e me sufocar com pressão sobre mim. Chamo por ti: venha, venha se esbanjar… venha me fazer arfar e gritar.
Ouço a aproximação do seu caminhar, os seus passos fazem tremer o meu sexo, fazem ansiar a sua chegada e o seu abalo incalculável. Na sua estadia anterior já não consegue enxergar nenhum benefício, arruma-se como o diabo e desce da minha mente disposto a percorrer o inferno do meu corpo quente, mesmo ciente de que o calor o fará desmanchar e é provável que pouco dure até chegar no meu sexo. Deixa nos meus lábios calor e ardor, nas minhas bochechas pouco salientes cor, para e assiste o meu peito soluçar com a urgência em te fazer presente, caminha firme e assustadoramente sério. Beija meu ventre, toca ambos os seios e me olha, me enxerga e se delicia com a face estampada e colorida com a necessidade em tê-lo. Pede-me calma com os olhos e eu me aperto, chama-me desesperada e eu pressiono com mais força os dedos em mim, ele pergunta, por fim, você me quer? E como resposta, o meu silêncio se alastra por longos minutos.
Sua imagem fugiu do meu campo de visão, sinto-o pulsar e umedecer ainda mais a minha intimidade recém explorada, desfiz a sua matéria e usei-a para molhar-me ainda mais. Tive-o todo esse tempo dentro de mim e agora coloco-o para fora no estado libidinoso, fruto de pecado e caráter desfeito. O gemidos que anteriormente foram moldados pelos meus lábios entreabertos ecoam na minha mente e eu o vejo sorrir satisfeito para mim, sorrio sadicamente e faço presente o homem de pele mestiça que com uma só palavra leva-me a loucura. Ainda tremo, ainda respiro com dificuldade e nunca irei me satisfazer, estando ele aqui ou não. Tenho fome de homem, de pecado e de mim… desejo provar da carne alheia, da minha própria e da mistura de ambas as carnes, desejo temperar-nos quem sabe com outra espécie e fazer desse sentimento uma grande orgia. Desejo-o acompanhando-me os passos até que cheguemos juntos… aonde iremos? Iremos ao encontro de nós mesmos, das nossas respectivas essências e das nossas verdades. Iremos de encontro às nossas raízes, através de uma trilha absurdamente perigosa e humana, caminharemos lado a lado ao pecado, a matriz do infame e do erro, percorreremos tal caminho em busca de resgatar as chamas que se perdem quando nos distanciamos.
Ele, o provocador e lançador de chamas que incendeia-me, a mulher erótica; ele, fruto do fogo que me faz queimar às quatro da manhã, às cinco da tarde e qualquer outra hora me carregará para junto da minha nascente para que possamos resistir ao frio e ao não-sensual do mundo. Ele será o próprio caminho e o único responsável por tornar possível e brilhante o maior dos encontros: o da mulher erótica com o inferno.
Leitora Despudorada