Desabafo de uma mulher negra
Como uma mulher negra que sou, tive que me acostumar com o fato de que provavelmente vou terminar a minha vida sem um parceiro. Tive também que entender que, dentro dessa sociedade, eu não sou considerada alguém para se ostentar ter ao lado e tive que compreender (ainda que indignada) que muitos vão querer ficar comigo apenas para saber se corresponde às suas expectativas. Muitos também vão dizer “fica entre nós” ou “não fala nada pra ninguém que a gente tá ficando” porque é indigno ficar com alguma negra. Vai que ele se queime com as branquinhas, não é?
E, no final, ele sempre vai se passar por uma de macho massa, que fica com qualquer mulher sem observar cor e que só não rolou namorar com uma negra porque não daria certo, faltava algo a mais especificamente nas negras com ele já se deitou. No final, o fato de ficar com mulheres negras é só uma questão de atração e o fato de ficar escondido é só porque não é nada sério.
Mas a negra que não rola a atratividade nem a química certa para um namoro, às vezes é a amiga perfeita porque ouve, aconselha, bate resenha e dá o ombro. Enfim, não pode passar disso: de uma amiga e de umas ficadas às escondidas a la época da Casa Grande. Mas tudo bem. Para não ficar sozinha, a gente entende.
A gente diz que entende. No final, a gente sofre, se olha no espelho e procura todos os defeitos. A gente deita a cabeça no travesseiro e se questiona onde está o erro e, assim, tenta mudar as atitudes, a roupa e o cabelo. Porém, nada disso resolve porque a gente pode até mudar tudo, menos uma coisa – o fato de sermos negras. Nosso sinônimo não passa de pele quente, cor de brasa, cor de jambo, cor de cravo e canela (graças a Jorge Amado!).
Sobre nossas lágrimas, ninguém está preocupado. Diriam alguns que estamos problematizando demais e que o fato de negras estarem sempre sozinhas é coincidência. Tudo bem, coincidência.
Que essa coincidência nos una e nos fortaleça. Que saibamos, com toda certeza, que o fato de não sermos assumidas ou nos tornarmos namoradas não é culpa nossa. Que a nossa autoestima não caia por conta de uma escrotice social. Que somos interessantes, lindas e maravilhosas, sim. Que não precisamos ser perfeitas na cama por sermos negras e que nossas genitálias escuras são lindas.
Mulher negra, trabalhe-se diariamente isso e não se permita reduzir. Não seja a escolha. Faça escolhas.
Lu Rosário
Jornalista. Baiana. Leonina. Feminista preta. Apaixonada por tudo o que diz respeito a sexo e sexualidade. Palavras e fotografias são suas taras.