A desilusão linguística amorosa é o novo mal do século
Já não temos mais dúvidas que entre todas as desilusões amorosas, surgiu uma outra que deixa muitos homens e mulheres de queixo caído. A famosa desilusão linguística – ortográfica e gramatical – tornou-se mais latente nos tempos atuais. Nunca convivemos tanto com a escrita do outro. As redes sociais virtuais nos possibilitaram ver o que o outro escreve e estabelecer diálogos por meio das palavras. Sendo assim, qualquer “desvio linguístico”, ao ser percebido, passa a ser alvo das mais duras críticas e das mais altas risadas, além de intensificar o preconceito. Em outras palavras, a desilusão linguística amorosa tem frustado muitos homens e mulheres na procura por alguém e se tornado o novo mal do século.
Nem todo mundo estudou em bons colégios ou, até mesmo, deu a devida atenção que o estudo merecia. Nem todos convivem em uma comunidade onde a fala é aquela que compreendemos como a correta. Inclusive, isso é essencial para um bom desempenho linguístico. Sou professora de língua portuguesa e, ao trabalhar na zona rural, ficava claro o quanto o ensino em sala de aula era restrito e o quanto não adiantava dizer que o correto era “nós vamos” em vez de “nós vai” porque quando os alunos voltavam para casa e se encontravam com os amigos, todos falavam “nós vai”. Essa influência se dava automaticamente, isto é, eles sabiam que o correto seria “nós vamos”, mas a comunicação permanecia a mesma se dissessem “nós vai” e já que era assim que todos se comunicavam, então para quê mudar?
Acontece que as relações vão além e esse vício, que extrapola as prescrições da gramática e que temos previamente estabelecido no dicionário, acaba nos colocando em maus apuros quando ampliamos nosso horizonte de conversação. Apesar de eu ter citado este exemplo, ele não é o único que justifica os assaltos que nosso coração anda tendo. Muita gente sabe e convive com pessoas que utilizam o português considerado correto, no entanto, possuem preguiça e conversam ou escrevem sem preocupações e de uma forma despojada ao seu bel prazer. Eles, realmente, não sabem a repercussão que isso pode ter caso o diálogo seja com alguém mais cricri neste assunto.
Uma outra coisa interessante e que nos leva a pensarmos o quanto podemos ser preconceituosos neste assunto é a intolerância da linguagem quando quem escreveu de forma é um universitário ou alguém com um diploma acadêmico. Talvez não seja um preconceito pensar assim, mas o fato de saber que este teve conhecimento e oportunidade de agir de outra forma, mas não o faz, acaba indignando muita gente.
Estou falando tudo isso porque essa questão linguística traz grandes reflexos, principalmente nas relações que se querem ir um pouco mais além. Quem preza pela linguagem, sente dificuldades de se envolver com alguém que possua esta precariedade e vice-versa. Esse fator proporciona desilusões que vêm tomando proporções cada vez maiores e faz com que pensemos, inclusive, na impossibilidade de encontrarmos alguém.
Essa incompatibilidade linguística ocasiona imensas frustrações que, em nosso imaginário, vão além da linguagem. A gente, em sã impaciência, canaliza um “não sabe falar direito” para um “mal deve saber o que fazer depois de trepar” ou “e eu vou lá querer apresentá-lo pra ninguém” ou sabe-se lá o quê. São pré-conceitos a partir de uma leitura da sua escrita.
Diante disso tudo, o que podemos fazer? Esse é um caso sério a se pensar. Só digo que não podemos desistir de pregar o quanto é importante nos utilizarmos das ferramentas que a internet e os livros oferecem para nos tornarmos melhores e mais sábios na maneira de nos expressarmos. Digo também que não podemos julgar os outros por isso, mas que, antes, precisamos saber quais as ideias que a pessoa tem e quais as suas opiniões a respeito dos diversos assuntos porque isso – sim – é quem o define.
Quando você vê que não tem saída porque não há conversa certa para resgatá-lo, segue meu conselho e chama Raul. Assim como ele cantou, “Tenha fé em Deus. Tenha fé na vida. Tente outra vez!”, vai que na próxima tentativa, você se dê bem, não é?
Lu Rosário
Jornalista. Baiana. Leonina. Feminista preta. Apaixonada por tudo o que diz respeito a sexo e sexualidade. Palavras e fotografias são suas taras.