Mexeu com uma, mexeu com todas!
A história de José Mayer deu o que falar e não poderia ser diferente. Minto: poderia. Seria diferente se ela se enquadrasse no perfil de tantas outras que, por vergonha, se calam ou, por interesse, se permitem, mas depois caem na real e percebem o quanto errou. Teria sido diferente, sim, se a figurinista em questão não colocasse a boca nas mídias sociais e deixasse o fato passar apenas pelo sistema interno onde ambos trabalham.
Será que foi a primeira vez que ele, o ator, fez isso? Será que foi a primeira vez que ele passou dos limites e partiu para o contato físico? Provavelmente não. A fama de “mulherengo” pode até ir longe, mas a de “galanteador”, tal como as novelas pintam, é bem mais louvável e, é claro, aceitável. Bom profissional e com papeis que deixam a mulherada em destino, o olhar sobre ele não poderia ser diferente.
Para quem está por fora, José Mayer foi acusado de assédio pela figurinista da TV Globo – Su Tonani. Em carta, ela contou para o blog #Agoraéquesãoelas, do jornal “Folha de S.Paulo”, as investidas e desrespeito do ator. De acordo com Tonani, essa história de violência se iniciou com o simples: “como você é bonita”. Trabalhando de segunda a sábado, lidar com José Mayer era rotineiro. E com ele vinham seus “elogios”. Do “como você se veste bem”, logo eu estava ouvindo: “como a sua cintura é fina”, “fico olhando a sua bundinha e imaginando seu peitinho”, “você nunca vai dar para mim?”.
A partir daí, a figurinista expõe sua indignação – não apenas perante ele – mas diante de todos aqueles que presenciavam tais situações e riam ou não se manifestavam. Para completar, ela revela que Em fevereiro de 2017, dentro do camarim da empresa, na presença de outras duas mulheres, esse ator, branco, rico, de 67 anos, que fez fama como garanhão, colocou a mão esquerda na minha genitália. Sim, ele colocou a mão na minha buceta e ainda disse que esse era seu desejo antigo. Elas? Elas, que poderiam estar no meu lugar, não ficaram constrangidas. Chegaram até a rir de sua “piada”. Eu? Eu me vi só, desprotegida, encurralada, ridicularizada, inferiorizada, invisível. Senti desespero, nojo, arrependimento de estar ali. Não havia cumplicidade, sororidade.
Quando a figurinista refere-se à sororidade, ela quer dizer sobre a união entre mulheres. Quando a gente se une em busca de um objetivo comum, a gente se fortalece. Afinal, sofremos diariamente os mesmos assédios, a mesma falta de respeito e a mesma pressão social e machista que tenta nos enquadrar.
Em resposta à carta, José Mayer afirmou: Tristemente, sou sim fruto de uma geração que aprendeu, erradamente, que atitudes machistas, invasivas e abusivas podem ser disfarçadas de brincadeiras ou piadas. Não podem. Não são. Nisso, ele está certo. O machismo está tão entranhado que tratar a mulher como um objeto é algo comum. Aceitar-se enquanto objeto também é.
A partir da carta, surgiu o movimento pelas atrizes globais do Mexeu com uma, mexeu com todas, acompanhado da hashtag #chegadeassédio. Sentindo na pele tudo que Tonani sentiu, resolvemos também compartilhar. Afinal, essa pauta deve estar sempre em discussão porque não é a primeira nem a ultima vez que precisamos lidar com isso. Nós, mulheres, vivemos essa rotina todos os dias. Inclusive, não precisamos que casos como esse aconteçam para nos manifestarmos. Essa é uma luta diária. Essa luta é minha, é nossa.
Lu Rosário
Jornalista. Baiana. Leonina. Feminista preta. Apaixonada por tudo o que diz respeito a sexo e sexualidade. Palavras e fotografias são suas taras.