Sou mulher, negra e escrevo sobre sexo.
Se eu fosse me definir, assim o faria: Mulher, negra e escrevo sobre sexo. Qual o problema nesta definição? Aparentemente nenhum, mas na prática há uma série de problemas que levam ao preconceito.
Enquanto mulher, nosso lugar no mundo já não é lá essas coisas. Afinal, toda mulher nasce predestinada a ser uma criança que precisa usar calcinha o tempo todo e que, quando os seios começam a surgir, precisa escondê-los. Ela deve crescer num mundo cor de rosa ou de cores neutras estilo aquarela e brincar de casinha e bonequinha. Toda mulher deve se maquiar, usar vestido e salto alto. Além do mais, casar e ter filhos faz parte de suas possibilidades de sucesso. Ser feminina, pelo menos, é uma exigência. Isso engloba cuidados com a pele, com o corpo, enfim, ser vaidosa.
Ser mulher já é uma grande carga e, por si só, engloba uma gama de preconceitos que a coloca no lugar de sexo frágil, delicadeza e mimimis. Mulher, muitas vezes, é aquela fútil. Sempre é quem deve cuidar dos filhos, da casa e, quiçá, do marido. Deve perdoá-los pelos erros e, ah, não pode trair nunca. Mulher que desconta chifre é vagabunda. Poderia ser qualquer outra coisa por um olhar mais amor próprio da vida, mas não – ela perde o valor porque mulher tem prazo de validade.
Mulheres negras valem menos ainda, pois carregam uma carga histórica que – somente pela cor da pele – já as incluem como inferior. Juntando esses dois fatores – mulher e negra – mais difícil fica, isto é, mais preconceito a enfrentar.
Cor do pecado quando querem elogiar; cor de sujo, de lama quando querem humilhar (outros adjetivos dependem do bom senso de quem fala, mas há muita gente no mundo sem senso algum). A mulher negra nem sempre ouve adjetivos claros de negação, mas sente em cada atitude alheia. Algumas vezes é vista como fetiche, em outras como invisível. Para se sobressair, a cor negra precisa de muitos atributos que possam também ser considerados de brancos. É preciso um esforçar-se mais.
Mais e se além de ser mulher e ser negra, ela escrever sobre sexo? Aí que o mundo acaba de vez e todos caem em cima com assédios desnecessários, com julgamos inapropriados e moralismos inaceitáveis. As mulheres que, em algum momento da vida, já são vistas como putas sem quê nem pra quê, tornam-se putas de boca cheia na boca dos falantes.
“Pra quê se amostrar e dizer que faz isso e aquilo?”. “Ela é pura pressão”. “Ali é sonsa, não vale nada”. “Finge de santinha”. “Deve dar pra qualquer um”. São essas as falas que circulam por mim aqui e acolá, sendo mostras claras de que mulher deve ficar nos contos da Disney e em romances bonitinhos. Sexo é compreendido como sinônimo de putaria e putaria como de pornografia. No meio de tudo isso, mulher negra aliada a sexo proporcionam um brega escroto, é uma coisa de louco que gente decente não entra.
Escrevo tudo isso rindo, principalmente dos hipócritas. Escrevo tudo isso aliviada e orgulhosa de ser quem sou. Ah, não falei de mais uma coisa que carrego e que é considerada uma característica marcante do negro – cabelos crespos. Mas para este terá um texto especialíssimo. Antes que comecem a colocar poréns em si mesma porque é julgada por outras formas de preconceito, lembre-se que nosso corpo não é vitrine e que somos maravilhosas independente. Histórico de preconceitos não deve nos vitimizar. Cultura mal construída não nos pertence. A gente sabe que somos bem mais do que uma dezenas de palavras ditas. Elas devem entrar por um ouvido e sair pelo outro – só assim seremos mesmo livres.
Lu Rosário
Jornalista. Baiana. Leonina. Feminista preta. Apaixonada por tudo o que diz respeito a sexo e sexualidade. Palavras e fotografias são suas taras.