“A gente questiona a monogamia e isso é o que gera a reflexão”
Quase 2 anos e 5 meses juntos. Ele com 27 e ela com 28 anos; ele baiano (mas viveu a vida toda em Natal, então convenhamos que já é um natalense), ela natalense nata; ele filósofo e ela professora de língua portuguesa – juntos fazem o encaixe perfeito das palavras em sintonia com o pensamento. Antônio Lázaro Vieira Barbosa Junior (impossível não lembrar o nome dele todo, ele faz questão de expor o sobrenome por aí!) e Laryssa Oliveira são dois jovens cheios de energia e que compartilham muito amor em um relacionamento considerado não convencional e que, por isso, ainda atrai alguns preconceitos. Você pode, inclusive, chamar de R.A. se preferir. O relacionamento aberto é uma forma de viver a dois que exige, mais do que tudo, confiança e segurança no outro. Sabendo disso e querendo entender como deslanchou essa relação, batemos um papo delícia pelo Facebook e veja aí o que rolou!
Depois de toda a introdução bestagística, chego ao ponto.
Eu: Mas sim, eu queria que falassem como vocês chegaram a conclusão de se relacionar dessa forma. Quem sugeriu e qual foi a reação do outro.
Ele: Na verdade, não foi sugestão. As coisas já começaram abertas.
Ela: Então, eu nunca tinha realmente pensado em R.A. até eu terminar o meu relacionamento anterior. Eu namorei quase 10 anos, monogâmica. Só que o relacionamento teve seus altos e baixos… eu trai, fui traída… enfim.
Ele: Mas, de certa forma, quem deu o empurrãozinho fui eu.
Ela: Daí eu queria tentar algo diferente e acabou que Lázaro e eu começamos a conversar sobre isso, né amor? Isso antes de ficarmos. E já começou aberto.
Ele: Num dia (domingo) a gente conversou a respeito; no outro dia, ficamos. Laryssa diz que quando a gente se encontrou, ela não tava pensando em ficar comigo e que as coisas apenas aconteceram lá. Já minha versão é que ela tinha algum interesse, manifesto no dia anterior.
Ela: Mimimi.
Ele: Mas só tive certeza quando rolou o beijo.
Ela: Já eu só tive certeza um tempo depois.
Eu: Kkkkkkkkkkk
Eu: E mais uma pergunta: não é porque é R.A. que é de qualquer jeito, ao léu, né? Vocês possuem regras, quais sao? são duas perguntinhas aí..haha.
Ele: Bom, regra regra a gente tem duas bem básicas: uma é ter disposição pra discutir a relação sobre tudo. No início, era sobre os sentimentos um do outro. Com o tempo, falamos sobre filhos (Laryssa que tocou nesse tópico), planos futuros (meu doutorado, o mestrado dela)…
Ela: Lázaro era meio fechado… ele não conversava sobre seus próprios sentimentos, a gente teve um quase problema por causa disso. Poxa, eu era novara nessa história de R.A.
Ele: Isso quase nos custou o relacionamento, pura frescuragem da minha parte.
Ela: E eu comecei a ficar insegura porque eu achava que tava sentindo algo mais forte, mas ele não parecia ter isso. Pelo contrário, ele fortalecia a minha insegurança falando sobre outras meninas (eu não lembro se foi bem isso… minha memória é horrível).
Eu: E resolveram isso a partir do momento que ele começou a se abrir?
Ela: Com certeza. Eu coloquei ele na parede… kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Ele: Comecei a me abrir? Laryssa me botou no fio da navalha.
Ela: Falei que o amava. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk. mas deu certo.
Ele: Eu me abri de uma vez.
Eu: Pronto, deixou a frescura de lado!
Ele: Claro que ainda levei tempo a trocar chamego (em forma de palavras), mas no dia seguinte já soltei um “te amo” pra ela.
Ela: Aí deu certo \o/
Ele: Aí deu MUITO certo. Lembro que a primeira vez que chamei ela de “meu amor”, ela ficou toda saltitante.
Eu: E qual o maior desafio nesse tempo todo?
Ela: O maior desafio…? Pergunta difícil porque tem sido muito gostoso esse tempo. Passo pra lázaro essa!
Ele: Eu cheguei numa vibe meio Terezinha (Maria Bethânia)
O terceiro me chegou como quem chega do nada
Ele não me trouxe nada também nada perguntou
Mal sei como ele se chama mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama e me chama de mulher
Foi chegando sorrateiro e antes que eu dissesse não
Se instalou feito um posseiro dentro do meu coração
Eu: Vocês tiveram problemas ou algum questionamento (por algo) que em algum momento fizeram vocês quererem voltar atras pelo fato de terem levado a relação assim?
Ela: Não, nunca. Pelo menos, eu não.
Ele: Nunca. Pelo contrario, quanto mais o tempo passava, mais tínhamos certeza de que seria inviável uma recaída na monogamia e, quanto ao desafio do relacionamento, na verdade, o desafio tá mais na relação da gente com a sociedade.
Eu: Humm..fale mais sobre isso, Lázaro. Sobre como a familia vê isso.
Ele: Sobretudo da parte de Laryssa. Minha mãe é de buenas, minha irmã também.
Ela: Hum… a coisa é que a não-mono tem a ver com posicionamento político e não somente o nosso relacionamento. A gente questiona a monogamia e isso é o que gera a reflexão que não conseguiríamos ser mono.
Ele: Meu pai e meu irmão nunca questionaram nada, mas aceitaram nosso relacionamento de cara.
Ela: Minha família é bem ranzinza com isso. Eles sequer legitimam como não-monogamia o que nós temos, é como se fossemos um casal mono “comum”.
Eu: É um pensamento conservador, típico da nossa sociedade – infelizmente.
Ela: Pois é.
Ele: Um dos problemas que pensamos, nesse sentido, é com relação a filhos.
Ela: E no trabalho? Foi bem estranho também. A galera simplesmente não aceita.
Ele: Vi isso num grupo aqui do Face – uma mulher perdeu a guarda do filho por se relacionar com dois homens ao mesmo tempo.
Ela: Eu vi também.
Eu: Eu imagino, por isso toquei nas regras….porque as pessoas imaginam isso mesmo: que é algo de qualquer jeito, sem respeito algum ao outro.
Ele: Aí entra a segunda regra: a gente não comenta as escapulidas um com o outro. Até chegamos a conversar a respeito no início do ano.
Ela: Escapulida parece que o que a gente faz é errado…
Ele: Mas, em princípio, o acordo é esse, bocó.
Ela: Nossos relacionamentos paralelos é mais bonito u.u
Ele: Tem nada de errado, eu tava pensando nessa expressão também.
Ela: Faltou aspas, mas ta de boa… kkkkkkkkkkkkkkkk
Ele: haiouehaioehuauiehoaiheuaheouiahe
Ela: É, não comentamos! E pelas experiencias em que vazou a informação, a coisa não foi legal. Não desestabilizou o relacionamento, mas também não ajudou. Ajuda o fato de que nenhum dos dois nutre o ciúme que possa vir a sentir.
Eu: Eu acho isso muito legal..o sentimento de posse do outro não é bacana.
Ele: Nem um pouco. Nós ficamos suuuuuuuuuuuuper desconfortáveis quando acontece qualquer aperreio.
Ela: Mas a gente se ouve e isso é mais importante. Por mais que se sinta algum resquício de posse – somos vulneráveis, a sociedade imbrica isso na gente, a gente nunca deixa a coisa sem ser desconstruída.
Eu: Isso é ótimo, Lary. Desse jeito, o relacionamento é mais saudável.
Ela: Tem dado certo.
Ele: Tem dado MUITO certo.
Eu: Muito bom falar com vocês, espero que um dia eu encontre alguém assim também…pra levar a vida com a liberdade que nos é inerente.
Depois do bate papo, ainda houve muitas risadas. E aí, o que vocês acharam, de boa ou chato? Achei interessante vocês perceberam por meio da fala deles o quanto nossa sociedade é cheia de preconceitos e sustenta um moralismo cujas raízes deveriam ser arrancadas. Este casal lindo é a prova viva de que a liberdade entre duas pessoas é a desconstrução mais linda que pode haver. Depois dessa, aceito um brinde e duas cachacinhas no ponto. Ah, aceito uma investida também, viu? Oh, daquelas!
Lu Rosário
Jornalista. Baiana. Leonina. Feminista preta. Apaixonada por tudo o que diz respeito a sexo e sexualidade. Palavras e fotografias são suas taras.